Falsas soluções

Em 2015, após uma maior tomada de consciência do impacto humano nos ecossistemas a nível mundial, foi assinado o Acordo de Paris, que surge como um compromisso internacional entre 195 países, com o objetivo de minimizar as consequências do aquecimento global.  

O Acordo de Paris está a ajudar a baixar as emissões?  

Não. O Acordo de Paris, que tem sido amplamente elogiado, não nos serve. Senão vejamos:   

  • O Acordo não é juridicamente vinculativo, ou seja, os países podem não cumprir nenhuma das suas promessas e nada lhes acontece.  
  • No acordo não aparece escrito nenhuma vez as palavras “combustível”, “fóssil”, “carvão” e “petróleo”. Sendo que os combustíveis fósseis são a principal fonte do problema. 
  • As emissões do sector da aviação e do transporte marítimo não estão contempladas, ficando isentas de qualquer redução.  
  • Ainda que as promessas dos 185 países presentes na COP21, em Paris, (no total eram 196 países, mas só 185 assinaram o acordo) sejam cumpridas, a transformação que decorre da sua aplicação conduz a um aumento de temperatura de 3,7ºC até 2100. 

Podes ler o Acordo de Paris AQUI.  

Na prática, desde o Acordo de Paris, o empenho dos países na redução de emissões vai, provavelmente, resultar num decréscimo de apenas 0,5% do total de emissões até 2030. Isto corresponde a um erro de 45%, tendo em conta os 50% que se propuseram cortar (fonte). 

Podes ler este guião sobre as Cimeiras do clima, que o Climáximo preparou.   

A União Europeia (UE) anunciou em 2020 que vai cortar em 55% a emissão de GEE até 2030, em comparação com os valores de 1990. Isto é bom? 

Não. Porque a UE promete cortar 55% das emissões usando como ano base o ano de 1990 e não o de 2010, 2018 ou 2020. Como as emissões na UE baixaram 25% desde 1990 (porque exportou as suas emissões para outros países, ao deixar de produzir para comprar noutros continentes, beneficiando de mão de obra mais barata), isto significa que o compromisso da UE é cortar apenas 30% e não 55% das emissões, como dão a entender…   

Segundo o “Orçamento de Carbono” (indica quanto podemos emitir para não ultrapassar os 1.5ºC), sabemos que em 2030 a União Europeia deve poder emitir perto de 900 MT (Mega Toneladas) de dióxido de carbono equivalente, mas a proposta da UE é em 2030 significa emissões de 2500 MT. 

Por exemplo, em Portugal, segundo o Paris Equity Check, deve-se reduzir 74% das emissões, comparando com as emissões de 2010. Isto significa que, em 2030, o nosso país poderá emitir apenas cerca de 19 megatoneladas de dióxido de carbono equivalente, sendo que, por exemplo, em 2018, emitiu 68 megatoneladas (fonte). Por outro lado, apesar de sermos dos países com maior incidência solar, apenas 3% da eletricidade que produzimos é solar. Acrescentando a isto, as barragens são contabilizadas como renováveis, mas também elas emitem GEE (para saberes mais sobre o impacto das barragens na atmosfera, consulta este artigo da campanha “Rios Livres”). Assim, continuam a abundar, no nosso país, oportunidades – que são desperdiçadas! –  para produzirmos mais eletricidade a partir de fontes renováveis (fonte). 

Finalmente, as empresas de combustíveis fósseis garantem que já estão a fazer a mudança para energias renováveis, não obstante continuarem a gastar 90% do seu orçamento em combustíveis fósseis (fonte).  

Emissões neutras ou neutralidade carbónica ajudará a resolver o problema do aquecimento global?  

Nos objetivos de nações e empresas, todas falam em emissões neutras. Isto implica que elas passem a contabilizar sumidouros naturais (florestas) e sumidouros tecnológicos (equipamentos de captura de carbono) para compensar as suas emissões. Assim, podem, caso tenham em seu poder bastante capacidade de capturar carbono, até aumentar as suas emissões e continuar a queimar combustíveis fósseis.  

Os conceitos de neutralidade de carbono e/ou “net zero” implicam um aumento da capacidade de absorção dos gases com efeito de estufa, geralmente a cargo de florestas, solos, oceanos e zonas húmidas.  

A Shell, por exemplo, afirma ser necessário plantar uma área de floresta equivalente ao território do Brasil para manter um aumento de temperatura abaixo dos 1,5ºC até 2100. A própria Shell propõe-se plantar uma área do tamanho de Espanha, enquanto a ENI propõe plantar uma área do tamanho da Áustria.   

Achas que isto são boas notícias? Continua a ler e perceberás que não…  

Slides com mais informações sobre emissões neutras, em inglês.  

Porque é que as plantações florestais são muito má ideia como forma de combater a crise climática, sem baixar as emissões?  

  • Porque não há área suficiente no planeta Terra para compensar as emissões atuais, quanto mais o aumento de produção de petróleo e gás planeado por muitas destas empresas; 
     
  • Porque a capacidade da maior parte das florestas do mundo para retirar carbono da atmosfera está a reduzir-se e não a expandir-se, por causa dos efeitos da crise climática;  
  • Porque para se tornar um verdadeiro sumidouro de carbono, com absorção estável, as florestas demoram décadas (ou até séculos!) a constituir-se e a acumular nos solos, árvores, plantas e outros seres vivos o carbono;  
  • Porque as operações nos solos necessários para instalação de grandes extensões florestais levam a uma libertação massiva do CO2 já, atualmente, retido nos solos;  
  • Porque existe um risco, já confirmado, de que muitas destas plantações seriam instaladas em ecossistemas como pradarias, savanas, tundras e zonas húmidas modificadas, destruindo esses sistemas e libertando o CO2 aí retido; 
     
  • Porque a plantação indiscriminada de árvores sem critério (e é obviamente disso que se trata quando falamos nesta escala) aumenta o risco de incêndios florestais, potenciando inclusive o risco de fogo para as florestas pré-existentes;  
  • Porque há várias décadas que, sob o «guarda-sol» das compensações de emissões de carbono, o que temos observado são impactos sociais massivos, designadamente roubos de terras, despejos, desflorestação e destruição de biodiversidade nas comunidades rurais dos países mais pobres.  

Fonte das informações acima.   

Porque é que os “mercados de carbono” são uma falsa solução?  

O que são “mercados de carbono”? A premissa teórica consiste na possibilidade de uma empresa continuar a emitir num local, pagando para diminuir emissões noutro.  

este vídeo para saberes como funcionam os “mercados de carbono”. 

Também podes ler este artigo que aprofunda o porquê dos “mercados de carbono” não servirem para cortar emissões. Também podes ler o que Amnistia Internacional escreveu sobre as violações de direitos humanos que acontecem, potenciadas pelo “mercado de carbono”.  

Existem, ainda, instituições públicas que também oferecem estas licenças anualmente a empresas poluidoras.   

“A capacidade de absorção de gases com efeito de estufa é exagerada nos inventários nacionais, a própria capacidade de absorção está a reduzir-se com o aumento da temperatura média global, e não há uma fórmula mágica para multiplicá-la. Apesar da conversa ridícula por parte de grandes emissores, de que a plantação de uma área equivalente à Índia com espécies florestais evitaria a redução drástica das emissões, as limitações são evidentes: onde está essa área vazia para ser plantada? Como seria instalada essa floresta, que aumento de emissões estaria associado a essa instalação? Como se garantiria que a mesma plantação não destruía outros habitats? Como é que a mesma não arderia em grande escala com o aumento da temperatura geral? “ (Fonte).  

Devido aos mercados de carbono, as empresas poluidoras recebem licenças gratuitas para poderem emitir GEE e depois podem vender essas mesmas licenças. Estas vendas permitiram lucros especulativos de 50 mil milhões de euros à indústria de uso intensivo de energia na Europa, entre 2008 e 2019 (fonte).  

Nem mesmo os operadores de minas de carvão e estações de extração de petróleo e gás – que emitem quantidades particularmente grandes de gases com efeito de estufa – têm de comprar as suas licenças de emissão. Consequência: 43% de todos os certificados são atribuídos gratuitamente. Em 2019, o valor destes certificados, medido em relação ao valor médio de mercado, foi de 17,8 mil milhões de euros na UE (fonte).  

Porque é que um preço/imposto sobre o carbono é uma falsa solução? 

Segundo um relatório do Banco Mundial, se a meta fosse cumprir o Acordo de Paris, o preço do Carbono necessitaria de rondar os 40 e 80 dólares por tonelada. No entanto, em metade dos mercados de carbono este preço mantém-se abaixo dos 10 dólares.  

Como se não bastassem os preços baixos, as isenções às taxas de carbono são generalizadas. Desde a Nova Zelândia, que deixa de fora a agricultura – responsável por metade das suas emissões – ao México, que não coloca um preço sobre as emissões de gás fóssil. A isto ainda se juntam as oportunidades para fraude e fuga aos impostos. No contexto europeu foi descoberto um esquema de compra de licenças de emissões sem IVA, totalizando uma fraude avaliada em cinco mil milhões de euros. (fonte)  

Podes também ver o exemplo da Califórnia que aumentou as suas emissões, quando todos acreditavam que o mercado de carbono iria reduzir as mesmas.   

E também podes ler sobre as falácias dos mercados de carbono, neste artigo no “The Guardian”. 

O Hidrogénio é uma solução? 

O hidrogénio (verde, cinzento, azul ou de qualquer outra cor), não é um combustível. É necessário utilizar um combustível real – renovável ou fóssil – para produzir o hidrogénio. Portanto, o hidrogénio funciona como uma pilha, que pode ser usada para transportar energia de um lado para outro ou para armazená-la durante algum tempo. O Hidrogénio está a ser utilizado como desculpa para construir mais gasodutos e infraestruturas de gás – só na Europa estão planeados 41 novos terminais de gás fóssil liquefeito.   

fonte: investigate europe

Em Portugal durante o planeamento da estratégia nacional para o hidrogénio, o governo reuniu apenas com empresas de energia e de gás, a saber: Dourogás, Akuo Energy Group, LightSource BP, EDP, REN, Galp, Prio Energy, Vestas, e Trustenergy. Após a consulta pública, a Endesa e Iberdrola juntaram-se, igualmente, às reuniões com o governo.   

Os cientistas alertam que o hidrogénio pode contribuir significativamente para o aquecimento global devido às fugas porque depois interage com o metano na atmosfera. O Hidrogénio é bastante propenso a fugas, não fosse ele o átomo mais pequeno do mundo. Sabe mais sobre este perigo AQUI.   

O hidrogénio não garante uma substituição dos combustíveis fósseis e é apenas mais um negócio. Por isto, e pelo que apresentamos a seguir, o hidrogénio é uma falsa solução.   

Podes saber como se produz hidrogénio, AQUI.   

A ONG Food and Water Watch preparou um pequeno documento que explica os problemas do hidrogénio, designado “O bom, o mau e o vilão”.   

Os Friends of the Earth fizeram um documeno sobre hidrogénio. As informações principais são:

  • A maior parte do hidrogénio não é renovável nem tem baixas emissões: 96% do hidrogénio consumido na Europa provém de gás fóssil e adicionar a captura e armazenamento de carbono para o hidrogénio “azul” pode resultar numa pegada de carbono ainda maior do que a queima direta de gás fóssil. 
  • Quando existem outras soluções, o hidrogénio é ineficiente e dispendioso: a produção de hidrogénio, mesmo de hidrogénio verde, é significativamente menos eficiente do que a eletrificação direta para a maioria das aplicações energéticas, como o aquecimento e os transportes. 
  • O hidrogénio está ligado aos interesses dos combustíveis fósseis: A influência que a indústria dos combustíveis fósseis exerce sobre o desenvolvimento do hidrogénio foi bem documentada em estudos independentes. Propostas como a mistura de hidrogénio com gás fóssil ou o reaproveitamento da infraestrutura de gás existente correm o risco de atrasar desnecessariamente a eliminação progressiva do gás na Europa. 

Vê o documento completo, AQUI.  

Também podes ler o artigo do Climáximo sobre o plano nacional de hidrogénio.  

Vem tricotar connosco por 1.5! Vê aqui como te podes juntar!